“Só aquilo que no fim achamos ridículo é que nós dominamos.”
Thomas Bernhard, Antigos Mestres, pág. 117
Thomas Bernhard, Antigos Mestres, pág. 117
Um sábado, anoitecendo, estou ao cimo de uma escadaria. Estou a olhar para baixo. Os degraus enegrecem em segundos sucessivos: o tempo desce-os. Nas minhas costas, o largo perde sangue: o sol é uma granada de groselha que já não aquece ninguém.
Posso descer, posso não descer. Ainda sou livre e ridículo: rio-me sozinho e livro-me sozinho.
Tenho dado por mim, na montanha, saudando a cidade. Se eu for à cidade, perco a montanha: como a perdi à outra, vindo para esta.
À esquerda, era o Pinto. À direita, o Correia. Zonas de sombra, ossários, capelas, tabernáculos. Mas também era, à direita como à esquerda, a minha mocidade improvável.
Tenho-me sempre deixado viver. É o meu luxo e o meu lixo. Está correcto, assim.
Fica, por vezes, a boca, grená. E não é do frio.
Não foi então nem fui.
Eu digo metais preciosos e não os possuo. Não em casa. Não nos apetrechos. Dizer é mais que possuí-los, pois que é sê-los.
Recordo sempre para a frente: amanhã não me lembrei.
Estou de frente para baixo: as escadas. Sim, o tempo.
As pessoas, rápidas: demoram tão-só oitenta anos (67, 17, 4, 24, 80).
As pessoas nas minhas costas, cor da groselha.
À minha direita, em frente à loja das máquinas de costura, onde o MRPP fez em 1974 uma vozearia que deu porrada com os comunistas oficiais, um louco manso tenta vender um bilhete da lotaria de Natal de 1973.
À minha esquerda, o Banco de Portugal dá o flanco ao Astória, que dá a cara a Santa Clara-a-Nova, que ainda olha para a Mãe, em baixo, os pés da Velha frígidos de cheias do rio com nome de cão, as sandálias todas sujas de laranjas.
Não é o fim, Jim. É só quase domingo.
Balcão em U, churrasqueira, homens desirmanados. Adivinho-os além, descendo, dando a esquerda. A breve alegria da comida, o rito da ração. Carvão vivo, frango morto: cinzas, brasas.
S. Bartolomeu; a das Cebolas; a Velha (outra); a do Comércio.
De tão ridículos, tão sérios; de tão sérios, tão ridículos – todos os nós e cada eu.
Não me importa: tenho pequeninos amores que duram muito. Gosto da churrasqueira com homens sós comendo o próprio silêncio. Gosto da fusão pombastátua. Gosto da cidade que resiste à cidade nova. O MRPP que resiste a 1975. A loja de máquinas de costura que resiste ao MRPP.
Decisões – a porra das decisões. À esquerda, em frente, atrás, à direita, lembrar, saber, esperar um pouco, escrever depois. Ser depois. Mas não é possível.
Fatos-de-macaco. De facto, macacos: os operários. Cada vez menos na cidade, os operários. A indústria foi toda para Aveiro, Marrocos, Polónia. O União, assim, não sobe.
Nem eu desço, para já.
Posso descer, posso não descer. Ainda sou livre e ridículo: rio-me sozinho e livro-me sozinho.
Tenho dado por mim, na montanha, saudando a cidade. Se eu for à cidade, perco a montanha: como a perdi à outra, vindo para esta.
À esquerda, era o Pinto. À direita, o Correia. Zonas de sombra, ossários, capelas, tabernáculos. Mas também era, à direita como à esquerda, a minha mocidade improvável.
Tenho-me sempre deixado viver. É o meu luxo e o meu lixo. Está correcto, assim.
Fica, por vezes, a boca, grená. E não é do frio.
Não foi então nem fui.
Eu digo metais preciosos e não os possuo. Não em casa. Não nos apetrechos. Dizer é mais que possuí-los, pois que é sê-los.
Recordo sempre para a frente: amanhã não me lembrei.
Estou de frente para baixo: as escadas. Sim, o tempo.
As pessoas, rápidas: demoram tão-só oitenta anos (67, 17, 4, 24, 80).
As pessoas nas minhas costas, cor da groselha.
À minha direita, em frente à loja das máquinas de costura, onde o MRPP fez em 1974 uma vozearia que deu porrada com os comunistas oficiais, um louco manso tenta vender um bilhete da lotaria de Natal de 1973.
À minha esquerda, o Banco de Portugal dá o flanco ao Astória, que dá a cara a Santa Clara-a-Nova, que ainda olha para a Mãe, em baixo, os pés da Velha frígidos de cheias do rio com nome de cão, as sandálias todas sujas de laranjas.
Não é o fim, Jim. É só quase domingo.
Balcão em U, churrasqueira, homens desirmanados. Adivinho-os além, descendo, dando a esquerda. A breve alegria da comida, o rito da ração. Carvão vivo, frango morto: cinzas, brasas.
S. Bartolomeu; a das Cebolas; a Velha (outra); a do Comércio.
De tão ridículos, tão sérios; de tão sérios, tão ridículos – todos os nós e cada eu.
Não me importa: tenho pequeninos amores que duram muito. Gosto da churrasqueira com homens sós comendo o próprio silêncio. Gosto da fusão pombastátua. Gosto da cidade que resiste à cidade nova. O MRPP que resiste a 1975. A loja de máquinas de costura que resiste ao MRPP.
Decisões – a porra das decisões. À esquerda, em frente, atrás, à direita, lembrar, saber, esperar um pouco, escrever depois. Ser depois. Mas não é possível.
Fatos-de-macaco. De facto, macacos: os operários. Cada vez menos na cidade, os operários. A indústria foi toda para Aveiro, Marrocos, Polónia. O União, assim, não sobe.
Nem eu desço, para já.
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