Abro o porco e dou com a notícia... Fiquei-lhe para sempre ligado por razões pessoais, que não importam para aqui. Foi um intelectual brilhante, a pessoa mais erudita que alguma vez conheci. Mas era ao mesmo tempo uma pessoa afável e extremamente humana. Já depois da faculdade encontrava-o regularmente no Zé Neto, um clássico da Baixinha, onde ele tinha lugar fixo na mesa junto à janela. O professor Miguel era uma máquina, um velhote que parecia nunca envelhecer, um homem que gostava da vida...
O problema dele foi Portugal. Infelizmente nasceu português. Se fosse alemão, francês, inglês ou americano seria conhecido mundialmente como um grande da filosofia. Infelizmente viveu por cá. Nunca o vi na televisão, nunca esses programas infectos que poluem o nosso cenário audio-visual teriam espaço para a sua sabedoria, incómoda que era... As pessoas preferem o lixo. Raramente os jornais lhe pediram opiniões. Nunca foi colunista nem opinion maker nem teve nenhum programa de rádio onde pudesse conversar em directo com os amigos do Zé Neto. Viveu em Portugal,pois.
Apesar disso foi um homem fundamental que marcou gerações e gerações que passaram por Coimbra e tiveram a oportunidade de frequentar as suas aulas. Ainda me lembro de quando não havia lugar nos seus seminários de Antropologia porque vinha gente de todos os cursos - de Direito, de Medicina, de Letras - para ouvi-lo falar de Filosofia. Naquelas aulas não havia participação, mas isso não era um defeito, pelo contrário. Ninguém intervinha simplesmente ninguém ousava interromper o Mestre. Ouvíamos apenas, hipnotizados durante duas horas o que ele tinha para nos dizer. Falava-nos de Heidegger (tinha sido seu aluno), de Sartre e de Camus e das coisas da nossa vida, falava de amizade, de turismo, de viagens, de dança, de música e do resto...No fim daquelas aulas ficávamos a conversar uns com os outros longamente e sentíamos uma urgência enorme de ler de repente tudo o que ele tinha citado e que nos levaria uma vida inteira a ler. Se não é isto um Professor...
Tive o prazer e a honra de ele ter aceite ser orientador da minha irrelevante tese de mestrado há uns anos atrás. É uma pessoa marcante na minha formação, deu-me a enorme lição que espero ter aprendido (mas não sei, não sei...)de que não há donos da verdade, de que é na pluralidade e na divergência que melhor crescemos, que o maior risco do dogmatismo é o definhamento.
Acho que me vai custar muito a próxima vez que voltar ao Zé Neto e não o ver na mesa ao pé da janela. Aquela mesa devia ser declarada dele, como a camisola 10 alvi-celeste foi declarada a camisola do Maradona (sim, ele também gostava de futebol)...
Obrigado por tudo professor Miguel. Até sempre.
O problema dele foi Portugal. Infelizmente nasceu português. Se fosse alemão, francês, inglês ou americano seria conhecido mundialmente como um grande da filosofia. Infelizmente viveu por cá. Nunca o vi na televisão, nunca esses programas infectos que poluem o nosso cenário audio-visual teriam espaço para a sua sabedoria, incómoda que era... As pessoas preferem o lixo. Raramente os jornais lhe pediram opiniões. Nunca foi colunista nem opinion maker nem teve nenhum programa de rádio onde pudesse conversar em directo com os amigos do Zé Neto. Viveu em Portugal,pois.
Apesar disso foi um homem fundamental que marcou gerações e gerações que passaram por Coimbra e tiveram a oportunidade de frequentar as suas aulas. Ainda me lembro de quando não havia lugar nos seus seminários de Antropologia porque vinha gente de todos os cursos - de Direito, de Medicina, de Letras - para ouvi-lo falar de Filosofia. Naquelas aulas não havia participação, mas isso não era um defeito, pelo contrário. Ninguém intervinha simplesmente ninguém ousava interromper o Mestre. Ouvíamos apenas, hipnotizados durante duas horas o que ele tinha para nos dizer. Falava-nos de Heidegger (tinha sido seu aluno), de Sartre e de Camus e das coisas da nossa vida, falava de amizade, de turismo, de viagens, de dança, de música e do resto...No fim daquelas aulas ficávamos a conversar uns com os outros longamente e sentíamos uma urgência enorme de ler de repente tudo o que ele tinha citado e que nos levaria uma vida inteira a ler. Se não é isto um Professor...
Tive o prazer e a honra de ele ter aceite ser orientador da minha irrelevante tese de mestrado há uns anos atrás. É uma pessoa marcante na minha formação, deu-me a enorme lição que espero ter aprendido (mas não sei, não sei...)de que não há donos da verdade, de que é na pluralidade e na divergência que melhor crescemos, que o maior risco do dogmatismo é o definhamento.
Acho que me vai custar muito a próxima vez que voltar ao Zé Neto e não o ver na mesa ao pé da janela. Aquela mesa devia ser declarada dele, como a camisola 10 alvi-celeste foi declarada a camisola do Maradona (sim, ele também gostava de futebol)...
Obrigado por tudo professor Miguel. Até sempre.
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