Só com o título já cacei duas ou três bestas apocalípticas, que vêm já por aí a baixo, de foice em punho e aferradas à goela do escriba: cá está o gajo outra vez!, cá está o gajo outra vez!
O assunto já andou por aqui e regressará certamente muitas mais vezes. A velha discussão sobre o que é arte ou não é. Uma discussão conceptualista que atravessará para sempre o porco e os tempos. A polémica já aqui reinou a propósito das “latitas de merda” do Piero Manzoni (primeira foto e vide posta anterior aqui), do roubo da massa do povo pela escuridão do “Branca de Neve” do João César Monteiro (segunda foto) e ao que me lembro do Urinol de Duchamp (terceira foto). Será isto Arte??
Nelson Goodman, no seu livro “Modos de Fazer Mundo” (Edições Asa, 1995(Esgotadíssimo), no original “Ways Of Worldmaking”-1975-1977), tem um capítulo delicioso e fundamental que aborda o assunto de forma quase definitiva.
Segundo o professor de Harvard, a pergunta “O que é arte?”, à qual e ao longo dos tempos inúmeros autores se têm dedicado a tentar responder em ensaios estéticos, esconde uma outra, com a qual se confunde muitas vezes e que é a sua pergunta corolário: “O que é boa arte?”
Goodman não responde a isto, nem vai por aí. Segundo ele a questão é errada. A resposta não reside na definição de “arte” ou de “boa arte”, onde reinará sempre o perigo e a idiotia, mas encontra-se num momento conceptual imediatamente anterior, e que Goodman traduz numa outra pergunta, essa sim fulcral: “Quando É Arte?”
E aí, Goodman responde: “Há arte quando lhe estão associados símbolos.” O que é símbolo e deixa de ser é outro capítulo extenso e denso que não importa trazer aqui. Basicamente é isto: um calhau do jardim, passa a ser arte quando o artista o leva para uma galeria e lhe atribui outra função ao retirá-lo do jardim. Atribui-lhe um significado. O calhau, como o Urinol de Duchamp ou Merda de Manzoni, deixam de ser meros objectos e passam a ser arte, quando adquirem uma simbolização, uma função de arte.
A simbolização, que pode ir e vir, colar-se ou desaparecer de um objecto, é inerente a toda a arte e não há arte sem um significado simbólico associado. Se lá chegamos ou não, se gostamos ou não e sobretudo, se estamos dispostos a pagar por aquilo ou não, essas são outras questões e conceitos.
Mesmo um colosso como A Vista de Delft de Vermeer, quadro que toda a gente reconhece como grande arte (todos não, há um irredutível gaulês aqui no Porco, que acha isso mais do que discutível), pois mesmo o Vermeer, pode deixar de ser arte ao ser-lhe retirada a simbologia. Se a Vista de Delft passar a ser usado para tapar uma janela (alteração de função e símbolo) ele deixa de funcionar com arte para funcionar como vedante.
O anterior símbolo e função de arte passaram a vedante. Deus nos livre. Já as latitas de merda do Manzoni e o urinol do Duchamp deviam deixar a galeria e passar à casa de banho e ao alegre convívio com a mãe sanitas e o pai autoclismo.
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