Estava eu a percorrer as prateleiras do clube de vídeo, no andar de baixo, aparece-me o Mumbly a descer as escadas com as duas manápulas enroscadas em sete ou oito caixas de dvd para aluger, vindas lá de cima, pois claro, da secção Cinema Perdido & Porco! Sorriso franco na bocarra escancarada, o marfim brilhante na saudação, Olhó Mangas…!, poisa a merchandise no balcão enquanto o empregado segue a árdua tarefa de ir buscar os filmes e registar o aluguer de tamanha catrefada no computador.
- Então o que é que vais levar, Mangas?
- He pá, se calhar vou rever alguma coisa. Não há nada de novo que mereça a pena…
Atira-me um estalido displicente com as bochechas, como uma bordoada seca de desprezo e compaixão, e suspira:
- Eu já não tenho paciência para andar aí a procurar desse cinema….!
Teria sido uma tirada de bronco corrompido ao porno, não soubesse eu que o Mumbly, na realidade, é um cinéfilo, vê filmes desde que aprendeu a dar aos maxilares e tem uma colecção de VHS gravados que pede meças a qualquer catálogo Fnac actualizado. Rimo-nos os dois, conversámos mais uns minutos e ele lá foi embora com um saco plástico na manápula pendurado ao peso de 1001 horas de perdição.
Quando saiu, o dono do clube que entretanto chegara e teria ainda vislumbrado a nossa conversa perguntou-me:
- É seu amigo, o Dôtor?,
- Sim, é meu amigo.
- Um excelente cliente… - murmurou ele.
Achei que aquilo merecia algo mais. Que tinha ficado alguma coisa por acrescentar ao saco a abarrotar de produções triple X (Devo dizer que o dono é um tipo do melhor, um verdadeiro personagem, pescador nas horas livres, vivaço, contador de histórias, antigo amigalhaço do Álvaro Cunhal, vai todos os anos à festa do Avante como as promessas vão de penantes esfolados a Fátima, possui um sentido de humor cortês e delicado para o cliente em geral, mas também tem sempre uma piada porca pronta a disparar na ponta língua aos que, como eu, lhe foram ganhando amizade e estima ao longo dos anos). E então lá lhe expliquei dos vinhos e das provas cegas, dos livros, das capitais e dos confrades à mesa; resumi-lhe também o Porco na blogosfera e as expedições a Espanha atrás do letchazo, do Romerijo ou do Guggenheim. Tudo isso ele ouviu com atenção e genuíno entusiasmo. Em continuação:
- A pornografia é apenas uma das cordas que o animal toca e retoca. Tem milhares de livros e álbuns de BD numerados e catalogados por tema e autor - na lombada cola-lhes uma etiqueta com um número e as letras iniciais do seu nome, assina-os depois na primeira página, a meio, no canto superior direito e no canto inferior esquerdo; mais acima, regista o preço que o exemplar custou, a data e o local de aquisição.
- Não me diga…?!
- Ah, pois!! E ainda por cima rubrica-os outra vez na contra-capa e de x em x páginas, no branco dos cantos. Sabe as capitais todas deste mundo e de todos os mundos - políticas e financeiras -, dos países descobertos e por descobrir, os PIBS e as densidades demográficas. Conhece as estradas secundárias entre Alcarraques e Pequim, as obras todas do Louvre e, sabe lá!... é capaz de lhe indicar pelo telefone o restaurante mais próximo para comer túbaros ou iscas de cebolada se você estiver perdido nos confins do cu do mundo…!
- Incrível….!
- Ah poiiiiiiis!
O «excelente cliente» ganhava agora o respeito digno a um letrado da Encyclopedia Britannica, versão, Uncensored…
- Aquilo é que é uma cabeça…!
- Se é! Uma cabeçorra! Aqueles filmes que ele ali levava…
- Sim…?
- Até domingo estão todos vistos e classificados, e na próxima prova cega temos um teste de quatro páginas dactilografadas a dois espaços sobre momentos clássicos da pornografia para nos foder a cabeça! Entrega prémios e tudo! E se houver empates na pontuação, ele já vai preparado com um par de perguntas para desempatar a coisa!
O homem deliciado, num canto isolado do balcão, ouvia e espoja-se. Contou-me depois alguns episódios biográficos no mesmo registo confidencial. Antes de me vir embora com o tal filme para rever, ele volta à carga e atira-me em tom de arremate composto:
- Mas sabe? Ele também leva daqui muito bom cinema…!
- AHAHAHA. Sim, eu sei.
- Então o que é que vais levar, Mangas?
- He pá, se calhar vou rever alguma coisa. Não há nada de novo que mereça a pena…
Atira-me um estalido displicente com as bochechas, como uma bordoada seca de desprezo e compaixão, e suspira:
- Eu já não tenho paciência para andar aí a procurar desse cinema….!
Teria sido uma tirada de bronco corrompido ao porno, não soubesse eu que o Mumbly, na realidade, é um cinéfilo, vê filmes desde que aprendeu a dar aos maxilares e tem uma colecção de VHS gravados que pede meças a qualquer catálogo Fnac actualizado. Rimo-nos os dois, conversámos mais uns minutos e ele lá foi embora com um saco plástico na manápula pendurado ao peso de 1001 horas de perdição.
Quando saiu, o dono do clube que entretanto chegara e teria ainda vislumbrado a nossa conversa perguntou-me:
- É seu amigo, o Dôtor?,
- Sim, é meu amigo.
- Um excelente cliente… - murmurou ele.
Achei que aquilo merecia algo mais. Que tinha ficado alguma coisa por acrescentar ao saco a abarrotar de produções triple X (Devo dizer que o dono é um tipo do melhor, um verdadeiro personagem, pescador nas horas livres, vivaço, contador de histórias, antigo amigalhaço do Álvaro Cunhal, vai todos os anos à festa do Avante como as promessas vão de penantes esfolados a Fátima, possui um sentido de humor cortês e delicado para o cliente em geral, mas também tem sempre uma piada porca pronta a disparar na ponta língua aos que, como eu, lhe foram ganhando amizade e estima ao longo dos anos). E então lá lhe expliquei dos vinhos e das provas cegas, dos livros, das capitais e dos confrades à mesa; resumi-lhe também o Porco na blogosfera e as expedições a Espanha atrás do letchazo, do Romerijo ou do Guggenheim. Tudo isso ele ouviu com atenção e genuíno entusiasmo. Em continuação:
- A pornografia é apenas uma das cordas que o animal toca e retoca. Tem milhares de livros e álbuns de BD numerados e catalogados por tema e autor - na lombada cola-lhes uma etiqueta com um número e as letras iniciais do seu nome, assina-os depois na primeira página, a meio, no canto superior direito e no canto inferior esquerdo; mais acima, regista o preço que o exemplar custou, a data e o local de aquisição.
- Não me diga…?!
- Ah, pois!! E ainda por cima rubrica-os outra vez na contra-capa e de x em x páginas, no branco dos cantos. Sabe as capitais todas deste mundo e de todos os mundos - políticas e financeiras -, dos países descobertos e por descobrir, os PIBS e as densidades demográficas. Conhece as estradas secundárias entre Alcarraques e Pequim, as obras todas do Louvre e, sabe lá!... é capaz de lhe indicar pelo telefone o restaurante mais próximo para comer túbaros ou iscas de cebolada se você estiver perdido nos confins do cu do mundo…!
- Incrível….!
- Ah poiiiiiiis!
O «excelente cliente» ganhava agora o respeito digno a um letrado da Encyclopedia Britannica, versão, Uncensored…
- Aquilo é que é uma cabeça…!
- Se é! Uma cabeçorra! Aqueles filmes que ele ali levava…
- Sim…?
- Até domingo estão todos vistos e classificados, e na próxima prova cega temos um teste de quatro páginas dactilografadas a dois espaços sobre momentos clássicos da pornografia para nos foder a cabeça! Entrega prémios e tudo! E se houver empates na pontuação, ele já vai preparado com um par de perguntas para desempatar a coisa!
O homem deliciado, num canto isolado do balcão, ouvia e espoja-se. Contou-me depois alguns episódios biográficos no mesmo registo confidencial. Antes de me vir embora com o tal filme para rever, ele volta à carga e atira-me em tom de arremate composto:
- Mas sabe? Ele também leva daqui muito bom cinema…!
- AHAHAHA. Sim, eu sei.
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