Tudo começa com uma prostituta que foi retalhada à navalha porque achou graça ao tamanho minúsculo da ferramenta do cow-boy que se preparava para a montar. A prostituta chama-se Dalila e, como figura secundária, nem a aproximação ao nome remete a qualquer invocação bíblica de traição ou honra; será a vingança, e por ela, que tombarão alguns homens e outros tantos mitos. Alguns fortes, outros fracos, mas todos sobreviventes ao mais clássico género do cinema enquanto o conhecemos, desde que, John Ford em 1939 com Stagecoach, lhe conferiu a maturidade absoluta – o western.
À distância, ocorre-me de imediato o percurso entre Dodge City (Michael Curtiz, 1939) e Imperdoável (1992), que se mede pelo simbolismo da retórica a propósito da construção dos caminhos de ferro, quando o Coronel Dodge resume: “America´s progress – iron horses and iron men! The West stands for, honesty, courage and morality!” Em meio século, a honestidade morreu por um punhado de dólares, a coragem salvou-se no Álamo e a moralidade sobreviveu ao homem que matou Liberty Vallance. Imperdoável é também a história de um ajuste de contas que aconteceu no Oeste.
Do mais inesquecível que nos recordamos dos velhos westerns, resume-se ao eterno confronto entre o que é justo contra o injusto, do bem contra o mal. Sempre quis acreditar que foi o western que inventou o cinema; o film noir cristalizou-se nos modelos propostos e acrescentou-lhe o dramático efeito da solidão desencantada no efeito pistoleiro/private-eye, e algo mais – o expressionismo da cor, ou a ausência dela!, e a ambivalência sexual; para mim, tudo o resto são sub-géneros que se emanciparam, abordagens de estilo cujo fôlego e maturação descendem da mesma linhagem.
Clint Eastwood foi um actor que, no tempo certo, percebeu uma incontornável vocação para autor. Parece que, depois de adquirir os direitos sobre o argumento original de Imperdoável, guardou-o numa gaveta durante dez anos à espera de envelhecer porque o William Munny que tinha dentro da cabeça não poderia ter 33 anos. O paradoxo que cria em Imperdoável é a subversão dos mitos anunciados pela revisitação dos mesmos, e pela construção uma base narrativa linearmente contrária à estrutura clássica do western tradicional – herói contra vilões. Um admirável jogo de duplicidades em que nem tudo é o que parece e, através do qual, Eastwood percorre do primeiro ao último todos os arquétipos do velho Oeste: a personagem do pistoleiro sem escrúpulos, o caçador de prémios e a lenda, o novato em busca de fama, o xerife, o ajuste de contas, a vingança, as putas, o saloon e, a cidade - Big Whisky -, que não é de casas caiadas de branco com pequenos pátios frondosos entre elas, nem possui uma igreja de cânticos dominicais; tem barracas esconsas e escanzeladas com lama e bosta de cavalo a separá-las. E é nesta terra bruta onde a única índia é a companheira do único negro que, um assassino retirado e convertido em criador de porcos parte para matar, por dinheiro, confronta os fantasmas do passado no processo, e acaba a vingar a morte do amigo antes de regressar ao lar. Parece um simples resumo de argumento, mas não é. É bem mais complexo do que isso. Filmado em estilo austero e quase monocromático, Unforgiven dá-nos a percepção do dirty-realism que quase sempre escapou à grandiloquência de um Ford, ou à tal “evidência” de um Hawks, de que Jacques Rivette escrevia nos Cahiers du Cinema. (O gesto mais nobre de todo o filme vem do parceiro do cow-boy que afiou a navalha no rosto da prostituta ao oferecer-lhe o seu melhor cavalo para a compensar de alguma forma; ainda assim, é corrida à pedrada e nem a intenção o livra de, mais tarde, ser abatido com uma bala no estômago, como entendia o acordo entre a parte contratante e os caçadores de prémios - do u think they came out from Texas to fuck us?).
À distância, ocorre-me de imediato o percurso entre Dodge City (Michael Curtiz, 1939) e Imperdoável (1992), que se mede pelo simbolismo da retórica a propósito da construção dos caminhos de ferro, quando o Coronel Dodge resume: “America´s progress – iron horses and iron men! The West stands for, honesty, courage and morality!” Em meio século, a honestidade morreu por um punhado de dólares, a coragem salvou-se no Álamo e a moralidade sobreviveu ao homem que matou Liberty Vallance. Imperdoável é também a história de um ajuste de contas que aconteceu no Oeste.
Do mais inesquecível que nos recordamos dos velhos westerns, resume-se ao eterno confronto entre o que é justo contra o injusto, do bem contra o mal. Sempre quis acreditar que foi o western que inventou o cinema; o film noir cristalizou-se nos modelos propostos e acrescentou-lhe o dramático efeito da solidão desencantada no efeito pistoleiro/private-eye, e algo mais – o expressionismo da cor, ou a ausência dela!, e a ambivalência sexual; para mim, tudo o resto são sub-géneros que se emanciparam, abordagens de estilo cujo fôlego e maturação descendem da mesma linhagem.
Clint Eastwood foi um actor que, no tempo certo, percebeu uma incontornável vocação para autor. Parece que, depois de adquirir os direitos sobre o argumento original de Imperdoável, guardou-o numa gaveta durante dez anos à espera de envelhecer porque o William Munny que tinha dentro da cabeça não poderia ter 33 anos. O paradoxo que cria em Imperdoável é a subversão dos mitos anunciados pela revisitação dos mesmos, e pela construção uma base narrativa linearmente contrária à estrutura clássica do western tradicional – herói contra vilões. Um admirável jogo de duplicidades em que nem tudo é o que parece e, através do qual, Eastwood percorre do primeiro ao último todos os arquétipos do velho Oeste: a personagem do pistoleiro sem escrúpulos, o caçador de prémios e a lenda, o novato em busca de fama, o xerife, o ajuste de contas, a vingança, as putas, o saloon e, a cidade - Big Whisky -, que não é de casas caiadas de branco com pequenos pátios frondosos entre elas, nem possui uma igreja de cânticos dominicais; tem barracas esconsas e escanzeladas com lama e bosta de cavalo a separá-las. E é nesta terra bruta onde a única índia é a companheira do único negro que, um assassino retirado e convertido em criador de porcos parte para matar, por dinheiro, confronta os fantasmas do passado no processo, e acaba a vingar a morte do amigo antes de regressar ao lar. Parece um simples resumo de argumento, mas não é. É bem mais complexo do que isso. Filmado em estilo austero e quase monocromático, Unforgiven dá-nos a percepção do dirty-realism que quase sempre escapou à grandiloquência de um Ford, ou à tal “evidência” de um Hawks, de que Jacques Rivette escrevia nos Cahiers du Cinema. (O gesto mais nobre de todo o filme vem do parceiro do cow-boy que afiou a navalha no rosto da prostituta ao oferecer-lhe o seu melhor cavalo para a compensar de alguma forma; ainda assim, é corrida à pedrada e nem a intenção o livra de, mais tarde, ser abatido com uma bala no estômago, como entendia o acordo entre a parte contratante e os caçadores de prémios - do u think they came out from Texas to fuck us?).
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