02/05/07

O Deus Único E O Mal, por Heresiarca


Desde os primórdios dos tempos que os homens se confrontaram com a existência do Bem e do Mal. O que levou desde logo ao nascimento mitológico dos deuses bons e de deuses maus. Tentava-se invocar um e aplacar o outro. É que tratando-se de dois opostos, era difícil à lógica humana conjecturar a coexistência do Bem e do Mal num único Deus. Como Diz E. P. Sanders no seu livro “A Verdadeira História de Jesus”: “Uma religião que defende que existe um só Deus tem dificuldade em explicar o mal. Foi o Deus bom e único que criou o mal? Porque o permite Ele?”

O Velho Testamento não tem o Inominado como nós o concebemos. O Génesis coloca a serpente a tentar Adão e Eva, mas não lhe atribui nenhuma maldade especial, nem nenhum desígnio maligno, e muito menos um papel de rival de Deus ou dotada de poderes supra-humanos. Satan aparece depois mais à frente no Livro de Job, mas aí é apenas um dos anjos do Senhor que lhe destila nas orelhas a dúvida pela fidelidade de Job. Como diz o povo, quem se lixou foi o mexilhão e Job sofre as penas mais duras de todo o velho testamento. Job safa-se à tangente, mas Deus não sai bem do episódio. Desde logo conclui-se que o Senhor também pode ser tentado. E depois, que o poderoso pode ser particularmente cruel, mesmo com os seus mais fiéis. Mas adiante, certo é que além deste dois episódios, não há mais “diabo” no Velho Testamento.

Segundo Sanders, os Judeus mudaram a sua concepção de Deus após o exílio na Babilónia. Até então, os Judeus não eram completamente monoteístas. Afirmavam a superioridade do seu Deus, mas admitiam a existência de outros deuses. O Mal vinha deles. A palavra hebraica “Satan” não designava o Deus do Mal ou uma entidade maligna superior, mas sim “o adversário” ou “o deus das outras tribos”.

Contudo e após Babilónia os Judeus professaram então o monoteísmo. Passa a haver Um Único Deus. Todos os outros são falsos. E após isto os Judeus confrontaram-se com a velha questão. Como conciliar a existência do mal com um Deus único. Mas que raio de Senhor todo-poderoso, omnipotente e omnipresente é este, que permite ou pior ainda, também cultiva o mal?

Daí que os Judeus sentiram a necessidade de dar outra dimensão ao maligno. E se bem sentiram, melhor o fizeram e foi então atribuída outra dimensão a Satan. Assim foi criado o Demónio. No Novo Testamento já Satanás aparece a tentar o JC em cada esquina. Como oposto a Deus e sem responder perante Ele.

A mudança dá-se também por influência do exílio da Babilónia. É que na Babilónia, os Judeus contactaram com o Zoroastrismo, cuja concepção base, radica na existência de dois opostos com dois senhores: o Bem e o Mal. E entre muitas outras coisas, o Judaísmo foi buscar ao Zoroastrismo o “dualismo persa” e a ideia do conflito entre Deus e as forças do Mal. Não abandonaram o conceito de Deus único, mas a maldade foi atribuída a um outro ser superior, não um Deus do Mal, mas um demónio dotado de muito. O quantum ainda hoje se discute.

Mas, por muito que se afirme o monoteísmo do Judaísmo e “pour cause” do Cristianismo, certo é que há um Senhor do Mal. O Inominado, Demónio, Satanás, Lúcifer, senhor das chamas e dos infernos. Tentador, quentinho e Poderoso, claro. Como só um Deus o pode ser.






Fontes: E. P. Sanders no seu livro “A Verdadeira História de Jesus” de E.P Sanders; A Criação de Gore Vidal, Génesis e o Livro de Job, e Borges no livro de Maria Vazquez. Na foto, uma das gravuras de William Blake.

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