03/03/04

A Girl and a Dog de Lucien Freud, por Andy Cap

É triste. Mas gosto da ambiguidade deste quadro de Lucien Freud. Nele tudo é ambíguo. A mulher é tão vagamente velha como nova, parece e não parece um objecto de desejo. Não sabemos bem se é uma mãe ou uma mulher da vida. Mas se é uma mãe é profundamente provocador o seio que mostra, também ele pairando algures num limbo feito de desejo e da falta dele.

O cão adormecido, tranquilo e dócil é um símbolo masculino. A sua inércia satisfeita pode ser lida como uma espécie de rendição viril. O cão é feliz, tudo o que deseja é estar ao pé desta mulher, seguro e protegido como uma criança pequena. Metáfora de uma felicidade contraditória e doméstica que se consuma na apatia do sofá, tão próxima da morte. A felicidade do cão – vê-se-lhe nos olhos baços - é uma felicidade triste, pesada como o tempo.

Reparo ainda na corda do roupão que mais parece a serpente bíblica, mas estranhamente caída, vergada como o cão e como a própria mulher. O cordão é a chave do corpo da mulher, escondido e revelado – tenuemente revelado, mais uma vez – pelo roupão. O cordão/serpente é ainda a continuação do corpo dela, a serpente é ainda a mulher, de certa maneira, e daí aquela cumplicidade latente. Mas também a serpente está como que abatida. Não há aqui indícios de vitalidade. Todos – o cão, a mulher, a serpente - parecem ter desistido, no mundo amarelado deste quadro, em que até os sofás estão protegidos do pó por grossas tecidos, dos que se usam nas casas abandonadas. Gosto deste quadro de Lucien Freud. Gosto da sua ambiguidade sem fim.

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