Transmite, desde logo, e quase como principal fenómeno daquela década, uma certa ideia ligada ao papel dos jovens na sociedade, enquanto factores de ruptura com um alegado desígnio milenar, reflectindo uma determinada visão do tempo histórico, o tempo histórico cristão, determinista, imutável e progressivo, marcada pela tal ideia de «prospectividade redentora».
E os jovens dos anos 60, sobretudo de facto no contexto anglo-saxónico ou francês – ou em maior rigor, na generalidade dos países que emergiram democráticos e liberais da II Guerra Mundial –, efectivamente introduziram decisivos grãos de areia na engrenagem do sistema teleológico ocidental, como diz o autor anónimo do anterior post (que, não obstante, está de parabéns). Grãos que, ao contrário do que se poderia perceber do texto, não se volatizaram com o reumatismo dos hippies, mas deixaram marcas profundas e duradouras nos tecidos sociais, culturais, económicos, etc, dessas mesmas sociedades. Que ainda hoje perduram e continuam a multiplicar-se em novos sentidos.
Foi precisamente por alturas dessa década, de facto, que os jovens começaram a ter voz, que começaram a perceber o seu poder enquanto grupo com uma consciência identitária colectiva, mesmo que fragmentada em facções, cultos ou modas (precisamente como no mundo dos "adultos"). Nasce uma consciência comum de poder e influência. Enfim: nasceram Os Jovens! E logo na altura lhes chamaram rascos, hábito que persiste. Os tumultos universitários em Portugal deram-se precisamente nessa década e não foi por acaso. A liberdade já passava por ali. Vagamente, porque realmente o epicentro da revolução situava-se em sítios como a França, a Inglaterra ou os Estados Unidos.
Com a sua irreverência e a sua capacidade conquistada de dizer “Não” ou “Make Love, Not War”, os jovens dos anos 60 conseguiram para os jovens vindouros não só visibilidade mas direitos, como o de expressão, criação ou associação de que os actuais jovens beneficiam, além de meios, métodos e logística para fazer ouvir a sua voz incómoda e rebelde. Até a economia se rendeu aos jovens.
Os anos 60, no final de uma fase de crescimento económico e demográfico (pós-guerra) inusitado na história da humanidade, foram tempos assombrosos, de facto, não só pelos novos paradigmas culturais que trouxeram, como este da entrada em cena da cultura “jovem”, paralela à entrada em cena em grande da televisão massificada (uma janela para o mundo…), mas também em termos políticos, científicos ou mesmo religiosos. Neste último aspecto, por exemplo, creio serem de destacar dois acontecimentos igualmente fracturantes: O Concílio Vaticano II, no seio da imensa comunidade católica e não só, e a descoberta pelas massas ocidentais das religiões, cultos e filosofias asiáticas, mormente o Budismo ou o Taoismo, a partir das primeiras peregrinações de artistas europeus à Índia ou ao Nepal – tantos anos depois de Schoppenhauer ou Herman Hesse, o ocidente descobriu o oriente.
São apenas dois casos de movimentos geradores de consequências de fundo e duradouras nas sociedades.
Em termos de arte e criação cultural, então, nem vale a pena falar. Muito menos acerca dos impactos que esses jovens revolucionários ainda hoje têm na música que se faz, no cinema que se faz ou nas artes plásticas que se fazem. Os sixties não morreram com os sixties, nem desapareceram num buraco negro com o envelhecimento dos jovens de então. Os sixties estão muito mais vivos do que eventualmente gostaria o senhor padre.
Reduzir os movimentos jovens da década de60 a pouco mais do que um bando de cultores do hedonismo e da anarquia é também pouco sensato. Esses movimentos jovens tiveram um papel determinante nas grandes causas cívicas ou culturais que dominaram esses anos. Basta olhar para os filmes de arquivo dos campus das universidades norte-americanas e ver a quantidade de jovens empenhados em causas e movimentos cívicos ou políticos, a participar activamente na contestação, não só a uma guerra (a do Vietname, no caso), mas também a vacas sagradas do “establishment”, do sistema - dos senhores engravatados que propõem O “caminho” e engendram destinos históricos para gáudio do rebanho - reclamando mais paz, mais justiça e mais liberdade. E mais prazer, também, porque não?
Acho, nesse sentido, um pouco disparatada essa ênfase na questão do prazer e do sexo, na “utopia clitoriana”, que alegadamente terá marcado a vivência “dos jovens” dos anos 60… É pura e simplesmente errado tirar uma radiografia a Woodstock para ver as entranhas da revolta dos “jovens”. Se calhar até lá estava, nessa radiografia o espírito daquele tempo, aliás, eu vejo os vídeos no You Tube e consigo ver, também lá está essa revolução cultural global. Mas não é bem no sentido clitoriano ou sexualmente devasso e pecaminoso em que o autor do post insiste. É mais no sentido de uma liberdade, de uma mensagem, de um discurso, de uma ética, de uma estética, de qualquer coisa a ganhar raízes, de um vírus a contaminar irremediavelmente o sistema e a “tradição”. Sim, afinal, também lá está tudo.
Os sixties foram realmente anos de espanto. Em Portugal ainda tivemos um pouco desse perfume, em meados dos anos 70, mas também rapidamente aqui a coisa “normalizou” e a revolução saiu de palco e passou a trabalhar nos bastidores, depois de absorvida pelo sistema. Mas, tal como lá fora depois da revolução juvenil, também cá nada ficou na mesma. Lampedusa, no seu “O Leopardo” põe um personagem a certo ponto a dizer qualquer coisa como “é preciso que algo mude, para que tudo fique na mesma”. Não creio que este caso se aplique. E nós hoje beneficiamos dessas mudanças.
Acenar com os percursos de pessoas como Cohn Bendit ou Mick Jagger é pouco mais do que demagógico, quanto a mim. Nisso sou muito adepto do “só não mudam os burros”. O que me faz confusão não são as Zitas Seabras, pelo contrário, são os Cunhais e os Jerónimos deste mundo, gente dogmática e imbuída de uma missão histórica. Cohn Bendit e Jagger, esses, são um excelente exemplo a contrário do que o autor pretende: É que esses dois já foram protagonistas de uma revolução, já mudaram o mundo, já fizeram o seu trabalho, já plantaram as raízes. Fizeram a festa e depois foram à sua vida, muito naturalmente, usufruir das benesses do seu plantio. Com inteira liberdade para amadurecer e mudar hábitos, convicções ou sentimentos.
A diferença entre o comunismo e os sixties é que o primeiro implodiu e os segundos rebentaram espalhando radiação por todo o lado, tipo “bomba suja”. E ainda cá anda, a radiação.
E os jovens dos anos 60, sobretudo de facto no contexto anglo-saxónico ou francês – ou em maior rigor, na generalidade dos países que emergiram democráticos e liberais da II Guerra Mundial –, efectivamente introduziram decisivos grãos de areia na engrenagem do sistema teleológico ocidental, como diz o autor anónimo do anterior post (que, não obstante, está de parabéns). Grãos que, ao contrário do que se poderia perceber do texto, não se volatizaram com o reumatismo dos hippies, mas deixaram marcas profundas e duradouras nos tecidos sociais, culturais, económicos, etc, dessas mesmas sociedades. Que ainda hoje perduram e continuam a multiplicar-se em novos sentidos.
Foi precisamente por alturas dessa década, de facto, que os jovens começaram a ter voz, que começaram a perceber o seu poder enquanto grupo com uma consciência identitária colectiva, mesmo que fragmentada em facções, cultos ou modas (precisamente como no mundo dos "adultos"). Nasce uma consciência comum de poder e influência. Enfim: nasceram Os Jovens! E logo na altura lhes chamaram rascos, hábito que persiste. Os tumultos universitários em Portugal deram-se precisamente nessa década e não foi por acaso. A liberdade já passava por ali. Vagamente, porque realmente o epicentro da revolução situava-se em sítios como a França, a Inglaterra ou os Estados Unidos.
Com a sua irreverência e a sua capacidade conquistada de dizer “Não” ou “Make Love, Not War”, os jovens dos anos 60 conseguiram para os jovens vindouros não só visibilidade mas direitos, como o de expressão, criação ou associação de que os actuais jovens beneficiam, além de meios, métodos e logística para fazer ouvir a sua voz incómoda e rebelde. Até a economia se rendeu aos jovens.
Os anos 60, no final de uma fase de crescimento económico e demográfico (pós-guerra) inusitado na história da humanidade, foram tempos assombrosos, de facto, não só pelos novos paradigmas culturais que trouxeram, como este da entrada em cena da cultura “jovem”, paralela à entrada em cena em grande da televisão massificada (uma janela para o mundo…), mas também em termos políticos, científicos ou mesmo religiosos. Neste último aspecto, por exemplo, creio serem de destacar dois acontecimentos igualmente fracturantes: O Concílio Vaticano II, no seio da imensa comunidade católica e não só, e a descoberta pelas massas ocidentais das religiões, cultos e filosofias asiáticas, mormente o Budismo ou o Taoismo, a partir das primeiras peregrinações de artistas europeus à Índia ou ao Nepal – tantos anos depois de Schoppenhauer ou Herman Hesse, o ocidente descobriu o oriente.
São apenas dois casos de movimentos geradores de consequências de fundo e duradouras nas sociedades.
Em termos de arte e criação cultural, então, nem vale a pena falar. Muito menos acerca dos impactos que esses jovens revolucionários ainda hoje têm na música que se faz, no cinema que se faz ou nas artes plásticas que se fazem. Os sixties não morreram com os sixties, nem desapareceram num buraco negro com o envelhecimento dos jovens de então. Os sixties estão muito mais vivos do que eventualmente gostaria o senhor padre.
Reduzir os movimentos jovens da década de
Acho, nesse sentido, um pouco disparatada essa ênfase na questão do prazer e do sexo, na “utopia clitoriana”, que alegadamente terá marcado a vivência “dos jovens” dos anos 60… É pura e simplesmente errado tirar uma radiografia a Woodstock para ver as entranhas da revolta dos “jovens”. Se calhar até lá estava, nessa radiografia o espírito daquele tempo, aliás, eu vejo os vídeos no You Tube e consigo ver, também lá está essa revolução cultural global. Mas não é bem no sentido clitoriano ou sexualmente devasso e pecaminoso em que o autor do post insiste. É mais no sentido de uma liberdade, de uma mensagem, de um discurso, de uma ética, de uma estética, de qualquer coisa a ganhar raízes, de um vírus a contaminar irremediavelmente o sistema e a “tradição”. Sim, afinal, também lá está tudo.
Os sixties foram realmente anos de espanto. Em Portugal ainda tivemos um pouco desse perfume, em meados dos anos 70, mas também rapidamente aqui a coisa “normalizou” e a revolução saiu de palco e passou a trabalhar nos bastidores, depois de absorvida pelo sistema. Mas, tal como lá fora depois da revolução juvenil, também cá nada ficou na mesma. Lampedusa, no seu “O Leopardo” põe um personagem a certo ponto a dizer qualquer coisa como “é preciso que algo mude, para que tudo fique na mesma”. Não creio que este caso se aplique. E nós hoje beneficiamos dessas mudanças.
Acenar com os percursos de pessoas como Cohn Bendit ou Mick Jagger é pouco mais do que demagógico, quanto a mim. Nisso sou muito adepto do “só não mudam os burros”. O que me faz confusão não são as Zitas Seabras, pelo contrário, são os Cunhais e os Jerónimos deste mundo, gente dogmática e imbuída de uma missão histórica. Cohn Bendit e Jagger, esses, são um excelente exemplo a contrário do que o autor pretende: É que esses dois já foram protagonistas de uma revolução, já mudaram o mundo, já fizeram o seu trabalho, já plantaram as raízes. Fizeram a festa e depois foram à sua vida, muito naturalmente, usufruir das benesses do seu plantio. Com inteira liberdade para amadurecer e mudar hábitos, convicções ou sentimentos.
A diferença entre o comunismo e os sixties é que o primeiro implodiu e os segundos rebentaram espalhando radiação por todo o lado, tipo “bomba suja”. E ainda cá anda, a radiação.
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